Em um ano sem lançamentos do estúdio Laika (Coraline, Paranorman e Boxtrolls), os amantes do gênero de animação em stop-motion foram surpreendidos pelo lançamento de "Ilha dos Cachorros", segunda animação do diretor Wes Anderson (O Grande Hotel Budapeste). Indicado ao Oscar de melhor animação, o filme vem conquistando a crítica. Mas cá entre nós, os leigos da parada, o filme é bom?
AFINAL, QUAL A HISTÓRIA DE “ILHA
DOS CACHORROS”? MAIS UM FILME EM STOP-MOTION PARA OS CARENTES DO ESTÚDIO LAIKA
Desde
tempos imemoriais, o Clã Koba gosta de gatos e odeia cachorros, e por isso há mais
de 200 anos vem tentando tirar os cachorros da convivência humana. A história de "Ilha dos Cachorros" começa
quando o autoritário prefeito Koba Kobayashi finalmente acha um pretexto: os
cães da cidade de Megasaki estão infectados por uma gripe canina que parece
prestes a afetar os humanos. Sob o pretexto de proteger a população, Kobayashi decide
isolar todos os cachorros em uma ilha na qual a cidade também despeja seu lixo.
Porém, um dos cachorros a ser exilado neste lixão é Spot, o guardião do
sobrinho do próprio prefeito, Atari. Desesperado, o menino de apenas 12 anos decide
fugir para ir atrás de seu cachorro, e acaba conhecendo os animais que estão
habitando essa ilha, que decidem ajudá-lo a encontrar seu antigo amigo.
AFINAL, “ILHA DOS CACHORROS” VALE O PREÇO DO INGRESSO?
Visualmente
falando, “Isle of Dogs” já deveria valer o ingresso de qualquer amante de
animações: o filme é todo feito em stop-motion, técnica a qual eu em particular
sou muito fã. E “Ilha dos Cachorros” é uma
das exibições mais primorosas do modelo que eu já assisti. Para um leigo como
eu, é até difícil descrever. Só sei dizer que é lindo, lindo, lindo, e cheio de
detalhes. Aliás, aliado a exuberância visual, a dublagem também é um sucesso, e
a gostosa trilha sonoro encaixa perfeitamente com a narrativa.
Link do Vídeo no Youtube: Ihas dos Cachorros | Trailer Legendado
Quanto
a história em si, a narrativa de “Isle of Dogs” segue uma estrutura básica dos filmes
infanto-juvenis de aventura, em que um grupo de personagens é movido por um
objetivo (encontrar o amigo perdido de Atari), e atrás deste objetivo, estes
personagens encontram diversos desafios e vão fortalecendo a relação entre si,
tornando-se cada vez mais amigos. Ou seja, em uma projeção descompromissada o
filme já poderia agradar pela trama de Atari em busca do seu cachorro, que
somado ao seu visual deslumbrante e a maneira a qual é contada, prende o
espectador do início ao fim. Porém, é na profundidade de seus temas
transversais que o filme se abrilhanta.
Através
de sua abordagem antropomofizada, “Ilha dos Cachorros” evidencia a sátira social
que o filme propõe no contexto contemporâneo. Como muito bem descrito por Erik
Avilez no site Cinema com Rapadura, “É impossível não traçar um paralelo entre
o governo que favorece os gatos em Megasaki e os poderes contemporâneos que
tratam imigrantes como animais dignos somente de serem sacrificados.” Kobayashi
cria uma ameaça inexistente, demoniza todos os integrantes de um grupo,
considerando-os indignos de viver, lançando-os ao lixo e posteriormente
prometendo exterminá-los como promessa de campanha para eleição. “Esta dimensão
é aprofundada ao se observar o fato de que, em grande parte do filme, somente
os cães falam em inglês; por se passar no Japão, todos os outros personagens se
comunicam e os letreiros que surgem na tela são todos em japonês – e muitas
vezes sem tradução. Desta forma, apesar de haver muitas pessoas conversando, só
é possível compreender – e, consequentemente, é mais fácil de se conectar – com
os cachorros. Essa barreira idiomática serve para ressaltar o subtexto social;
os cães, inteligentes e complexos, não conseguem se impor frente àqueles que
veneram os gatos por não poderem se comunicar apropriadamente.”
Mas
há de se ressaltar que não acredito que “Isle of Dogs” seja uma animação para
crianças. Apesar da estrutura narrativa simples da trama principal, esta é uma
animação para adultos; seu ritmo não é para todos, e o visual em stop-motion,
apesar de belíssimo, pode ser “creepy” demais para algumas crianças. Além
disso, o humor não é aquele humor típico que agrada a todas as idades, é um
tipo de humor mais inteligente, muitas vezes até mesmo melancólico.
Enfim,
ainda que não seja um filme para todos, é uma obra magistral de Wes Anderson,
que eu recomendo que você dê uma chance, principalmente pela mensagem que ele está
passando. E se você é um amante de gênero, é carta certa! É lindo, é comovente,
é inteligente, é oportuno e é original.
PS: Se me perguntarem o porquê de tirar meia estrela, é porque eu senti que alguns personagens foram deixados de lado ao longo da trama, além de um ou outro cuja participação e guinada de motivação soou meio "whatever". Mas são coisas muito sutis diante da grandeza da obra, por isso, nada que comprometa a altíssima nota.
APROFUNDANDO A DISCUSSÃO
Caso você já tenha assistido à "Ilha dos Cachorros" e queira se aprofundar na discussão comigo, deixa aí seu comentário. Aproveita, e diz também se gostou deste novo formato. Estou tentando escrever críticas e resenhas mais objetivas e didáticas, que te ajudem mesmo na hora escolher o que vale ou não a pena o seu tempo e dinheiro.
"O que define um filme ser bom ou não? O que define você gostar ou não de alguma coisa? Seus gostos? Sua subjetividade cunhada pela sua vivência e experiências sociais desde a sua infância até o momento atual no sentido mais existencialista possível dessa lógica? Apenas você. E mais ninguém define o que é bom ou não. O que um crítico de cinema faz é discutir se regras usadas, pra facilitar uma mensagem passada de modo áudio visual, foram bem sucedidas. Analisa essas regrinhas que facilitam a captura da atenção do interlocutor. Analisa se além dessas regras o diretor se arriscou em botar ali, algo seu de um jeito especial. De um jeito até pra poucos. E essa é (às vezes) a graça de um filme blockbuster ou cult. E se mesmo sem usar essas regrinhas o diretor e sua equipe conseguiram passar a mensagem, conseguiram te atingir, conseguiram capturar a atenção de sua subjetividade cunhada pela sua vivência e experiências sociais desde a sua infância até o momento atual no sentido mais existencialista possível dessa lógica? E se mesmo assim eles conseguiram… O filme ainda é ruim? O filme não funciona? Bem, se sua resposta é sim, que não funciona, é uma pena você pensar tão pequeno sobre cinema ainda. Se sua resposta é não, ele funciona e que regras pra facilitar são apenas regras pra facilitar e que não, necessariamente, são uma obrigação. Afinal… Você considera cinema uma arte, não é? E existem regras pra arte?"
(Alcênio Borges, ZOOMNews)
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