As Aventuras de Pi

domingo, 6 de janeiro de 2013

       Quando li a sinopse de As Aventuras de Pi pela primeira vez, quase que descartei por completo a possibilidade de ver o filme nos cinemas. Não me interessei pela trama. Não gosto de filmes sobre sobreviventes de acidentes trágicos, que narram sua luta diária para sobreviver. Porém, depois de assistir o trailer, percebi que o filme é mais do que uma história de sobrevivência, e sim, uma história de superação, e porque não, de fé.
       Outro clichê que quase que me desinteressou de assistir o filme: seu alto teor religioso. Inicialmente, achei que a história ia focar no poder milagroso de superação da fé, que faria com que o protagonista superasse a tudo e a todos. Na prática, sabemos que não é bem assim. Porém, ao término do filme, percebi que a importância da fé não é acreditar em um Deus, ou em vários deles, mas, sim, em acreditar em algo, acreditar em si mesmo, e na nossa capacidade de superação. E essa força, essa vontade, vem de nós mesmos. As Aventuras de Pi não é um filme sobre um náufrago em uma situação inusitada e seu salvamento quase mágico. É sim uma história sobre como enfrentar adversidades. Sobre como enxergar o melhor lado de uma situação potencialmente traumática e transformadora. É sobre como se transformar para não se deixar ser transformado em sua essência. Sempre existe mais de uma maneira para enxergar algo, e cabe a cada um encontrar a melhor.  

       Pi Patel é um garoto indiano que vive com sua família em um zoológico. Como os negócios não vão bem, seu pai resolve embarcar com a família e seus animais para iniciar vida nova no Canadá. Para isso terão que enfrentar uma viagem de navio que não acaba nada bem. Único sobrevivente do desastre, Pi terá que dividir o espaço no bote com uma hiena, uma zebra ferida, um orangotango e um tigre de bengala chamado Richard Parker. As escolhas que terá que fazer e as atitudes que terá que tomar para sobreviver podem transformar Pi e tudo em que ele acredita.
       As Aventuras de Pi começa um tanto quanto devagar. Ele leva certo tempo para começar, passando um período enorme em explicações e conversas. Mas essa suposta lentidão inicial se mostra extremamente necessária para construir o personagem e nos fazer compreender o seu comportamento diante dos acontecimentos posteriores.
       A trama muda totalmente de rumo quando Pi sobrevive ao trágico acidente. A partir desse momento, alguns podem pensar que o rumo do filme é tomado pela questão da vida ou morte do protagonista. Ledo engano. O rumo das aventuras é tomado por surpresas, estas ilustradas ainda mais pela tecnologia 3D muitíssimo bem utilizada. Com surpresas, sustos e uma bela combinação, imagens espetaculares são lançadas aos olhos do público.
       O belo uso do 3D cria o que faltava para nos sentirmos imersos na solidão do personagem em alto-mar. O mar infinto, que, inúmeras vezes, se confunde com céu, é de uma beleza ímpar. Mas o que ele tem de belo, tem de assustador. Acho que mais que medo, o mar nos inspira respeito. Como o filme fez questão de mostrar, somos muito pequenos diante de toda a sua vastidão e poder.
       Como se tudo isso não bastasse, ainda temos um tigre recriado digitalmente que beira a perfeição, tornando difícil a tarefa de distinguir muitas das tomadas onde o animal real foi usado e onde o dublê digital assumiu a cena.
       Visual, emocional e espiritual são unidos de forma grandiosa, tratando das micro e macro visões da vida, constantemente fundidas, formando paradoxos infinitos, nos quais o um é o todo e o todo é um. Impossível não se sentir parte do universo de Pi.
        Mesmo com todos esse aspectos citados, o ponto principal da história, e que mais mexe com o espectador, é a relação entre Pi e o tigre. Richard Park passa de uma simples besta feroz para um companheiro de viagem não só do jovem Pi, mas de todos nós. A relação, que envolve respeito, medo e companheirismo, não para de evoluir e é difícil imaginar como ela vai acabar. A despedida dói no espectador.
       Um ponto que deve ser citado é que, apesar do tempo encurtado de exposição não permitir que sinta-se pena pelos outros animais náufragos, gradativamente devorados por Richard Parker, acho que isso leva o filme a não ser indicado para crianças muito pequenas, que podem não suportar a primeira parte do filme.
       Infelizmente, o final me pareceu simplista demais em comparação ao que eu esperava. 
       Como diz o famoso ditado. “Quem conta um conto, aumenta um ponto”. Às vezes, contos são narrados de tal maneira que viram fantasias. Tudo, porém, baseado em um fato. O final do filme nos faz a pergunta: o que será verdadeiro na ficção? Ou ainda: pode a ficção ser verdadeira? Cabe a nós a resposta a essa pergunta.


 

 Entrelinhas

       Pra quem não sabe, As Aventuras de Pi foi baseado no livro homônimo do canadense Yann Martel. O que pouca gente sabe é que o livro é acusado de ter plagiado a história de outro livro: Max e Os Felinos, do brasileiro Moacyr Scliar.
       O livro de Scliar se tratava de um judeu refugiado a caminho do Brasil, que no barco salva-vidas tinha que conviver com um jaguar.
       Para minha surpresa, parece que Martel chegou a admitir que leu a sinopse de Max e Os Felinos e se inspirou diretamente nela para criar a sua história.
       O brasileiro ficou sabendo disso e, no entanto, recusou-se a processar o outro, achando que era difícil e trabalhoso demais.
       Martel passou a colocar nas edições posteriores do seu livro uma referencia logo na primeira página, dizendo que realmente se inspirou em Scliar, o que, cá entre nós, já deveria ter feito antes.

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