Hagakure O Livro do Samurai

sábado, 19 de outubro de 2013


Não é um mistério pra quem me conhece o fato de que sou apaixonado pela cultura japonesa. Tenho bastante contato com mangás e animes, e até falo um pouco de japonês, mas algo que eu sempre tive um interesse em especial é a história do Japão. Infelizmente, não é fácil encontrar obras, sejam livros, filmes ou documentários, que falem a respeito desse assunto. Recentemente, porém, acabei conseguindo pegar emprestado o livro Hagakure O Livro do Samurai, da editora Conrad. Não me lembro como cheguei a ficar sabendo da obra, mas a achei com relativa facilidade na Biblioteca do Centro Cultural do Banco do Brasil. Valeu a leitura.

"Os samurais dominaram o Japão por quase sete séculos (de 1185 a 1868) formando o que talvez tenha sido a mais poderosa elite guerreira da história da humanidade. A própria palavra samurai tornou-se epítome de disciplina, coragem e certo tipo de altruísmo militar. Seu rígido código de conduta, mais sua particular fusão de diversas correntes do pensamento oriental (incluindo xintoísmo, zen-budismo e confucionismo), não só regiam a vida de seus membros, mas também afetavam diretamente o cotidiano de todo o Japão.
            Era, no entanto, um código de regras não escritas. Até que, em 1710, o samurai Yamamoto tomou a tarefa de pôr no papel o pensamento de seu tempo, o chamado Bushido (Caminho do Guerreiro). Durante sete anos trabalhou nisso, com a ajuda de outro samurai, Tashiro Tsuramoto.
            Tantas vezes comparado com A Arte da Guerra, de Sun Tzu, Hagakure não é, porém, um simples guia de estratégia militar. Tsunetomo não dá conselhos para generais, mas para guerreiros. Ele fala de disciplina, da importância da força de vontade, da elegância, conta histórias exemplares e nos descreve cenas do cotidiano japonês no período que foi o auge dos samurais.
            Este é um livro essencial não apenas para todos os interessados no fascínio dos samurais e das artes marciais, mas também para os que desejam saber mais sobre a história do Japão e a filosofia oriental. E para todos aqueles que pensam ter ainda algo a aprender com as palavras de 200 anos de um antigo samurai."

            Símbolo de coragem, destreza e determinação, o samurai é uma das imagens mais fortes associadas ao Japão antigo. Desde ícones populares modernos como Samurai X e Samurai Jack, além do aclamado mangá da década de 70, Lobo Solitário, o conceito do guerreiro implacável, mas honrado, inspira inúmeras narrativas. Dominando o Japão entre 1185 e 1868, essa elite militar vivia, matava e morria para defender a segurança e a honra de seus mestres, os senhores feudais. No entanto, a compreensão do espírito desses espadachins sempre foi uma incógnita.
            O autor de Hagakure, Yamamoto Tsunetomo, foi um samurai que, após a morte de seu mestre, foi proibido de cometer suicídio ritual para acompanhá-lo no além. Aposentou-se e tornou-se monge no ano de 1700. Para homenagear seu senhor, passou adiante seus ensinamentos, histórias e ideais a um jovem samurai chamado Tashiro Tsuramoto, que o visitou durante 7 anos. O resultado foi o Hagakure, cujo título pode ser traduzido por algo como "oculto pelas folhas" ou "folhas escondidas".
            O Hagakure é literalmente o livro do samurai. Escrito no momento em que essa casta encontrava-se em declínio, Yamamoto tenta passar adiante, em uma série de curtas passagens, o espírito de sua classe, definindo exatamente o que significa ser um samurai, ao mesmo tempo em que serve como um tipo de manual para todos os que pretendiam seguir esse caminho.

"Se tivéssemos que dizer em poucas palavras o que é ser um samurai, a base de tudo seria a devoção total do corpo e da alma a nosso mestre. E se nos perguntássemos o que fazer além disso, a resposta seria nos prepararmos internamente com inteligência, humanidade e coragem."

            O livro nos conta um pouco de tudo o que se relacionava à vida dos samurais, com muitas histórias interessantes. Diversas passagens relatam detalhes da vida cotidiana, aspectos sombrios do treinamento de um samurai, e fatos acontecidos com Yamamoto, com pessoas próximas ou que viveram em tempos anteriores e de cujas vidas ele tomou conhecimento. O resultado é um amplo painel histórico e social sobre o mundo em que o autor viveu.
            É muito interessante ler as passagens que mostram até que ponto chegava a submissão desses guerreiros, sempre dispostos a morrer pelo mestre, e outras que trazem uma simplicidade e sabedoria desconcertantes e atuais. Ao mesmo tempo, toda a rigidez inflexível e impiedosa da cultura japonesa desse período é um tanto quanto assustadora. Não sei dizer se era assim também em outras partes do mundo na época, mas é um tanto quanto chocante ver pessoas matarem outras pessoas por coisas relativamente pequenas, como um encontrão na rua, ou uma encarada. Não que isso não acontece hoje em dia, mas esses eventos foram retratados quase como algo corriqueiro. Mas até nos exageros os japoneses tem seu próprio código de honra. Mais do que se sentir ofendido, é como um conjunto de regras não escritas que diz que nunca se deve levar um desaforo e não fazer nada. É melhor morrer em uma "honrosa" atitude de prestação de contas, do que continuar vivendo, mas carregando aquela ofensa a você e a seus antepassados pelo resto da vida.
            Mas os ensinamentos de Tsunetomo também envolvem muito respeito, compaixão, solidariedade e gentileza com o próximo. É impressionante a complexidade e sabedoria da milenar cultura japonesa.

"Portanto, o Caminho do Samurai é, dia após dia, preparar-se para a morte, ponderando se ocorrerá aqui ou ali, imaginando a maneira mais honrosa de morrer, e focando a mente na morte com todas as forças."

            Devemos irrelevar alguns comentários bastante machistas, afinal, foi escrito no Japão de séculos atrás. Há também uma pequena passagem que fala a respeito da homossexualidade. Mesmo que medindo as suas palavras, esse trecho deixa a entender que os japoneses lidavam com esse assunto com um pouco menos de tabu do que os ocidentais.
            Diferente de A Arte da Guerra, de Sun Tzu, Hagakure não ensina generais a tomar decisões, e sim o guerreiro a viver cada dia.
           
"Enxergar o mundo como se fosse um sonho é um bom ponto de vista. Quando tem um pesadelo, você acorda e diz a si mesmo que era apenas um sonho. Dizem que o mundo em que vivemos não é muito diferente disso."

            Hagakure definitivamente é um livro que vale a pena ser lido. Lê-lo só me fez gostar mais ainda da cultura japonesa, e me fez ficar embasbacado com o quanto uma cultura tão antiga podia ter princípios tão sábios. A melhor parte da leitura do Livro do Samurai é tentar imaginar um mundo onde as pessoas pensavam assim, todo um império funcionando de acordo com esses princípios. O livro pode ser lido também de modo aleatório, abrindo-se em qualquer página, como num livro de citações ou pequenas crônicas. 
            Enfim, é leitura obrigatória para interessados em cultura japonesa ou pessoas que queiram pensar um pouquinho fora da caixa. Hagakure O Livro do Samurai é uma preciosa incursão no honrado e repleto de belos ensinamentos, mas ao mesmo tempo violento e desconhecido, mundo dos samurais.

Entrelinhas

            A edição brasileira é a tradução de uma seleção de trechos interessantes compilados pelo tradutor americano William Scott Wilson. A original em japonês possui mais de treze mil tópicos, reduzidos aqui para cerca de trezentos. Há ainda um glossário que explica nomes, lugares e termos referidos na obra.
            A obra está esgotada nos fornecedores, e é difícil encontrar até mesmo em sebos, que costumam cobrar caro pelo livro. Felizmente, não é tão difícil assim encontrá-lo em bibliotecas públicas ou particulares.

0 comentários:

Postar um comentário

Blog contents © Portfólio da Vida 2010. Blogger Theme by Nymphont.