Não é um
mistério pra quem me conhece o fato de que sou apaixonado pela cultura
japonesa. Tenho bastante contato com mangás e animes, e até falo um pouco de
japonês, mas algo que eu sempre tive um interesse em especial é a história do
Japão. Infelizmente, não é fácil encontrar obras, sejam livros, filmes ou
documentários, que falem a respeito desse assunto. Recentemente, porém, acabei
conseguindo pegar emprestado o livro Hagakure
O Livro do Samurai, da editora Conrad. Não me lembro como cheguei a ficar
sabendo da obra, mas a achei com relativa facilidade na Biblioteca do Centro
Cultural do Banco do Brasil. Valeu a leitura.
"Os samurais dominaram o Japão
por quase sete séculos (de 1185 a 1868) formando o que talvez tenha sido a mais
poderosa elite guerreira da história da humanidade. A própria palavra samurai
tornou-se epítome de disciplina, coragem e certo tipo de altruísmo militar. Seu
rígido código de conduta, mais sua particular fusão de diversas correntes do
pensamento oriental (incluindo xintoísmo, zen-budismo e confucionismo), não só
regiam a vida de seus membros, mas também afetavam diretamente o cotidiano de
todo o Japão.
Era,
no entanto, um código de regras não escritas. Até que, em 1710, o samurai
Yamamoto tomou a tarefa de pôr no papel o pensamento de seu tempo, o chamado
Bushido (Caminho do Guerreiro). Durante sete anos trabalhou nisso, com a ajuda
de outro samurai, Tashiro Tsuramoto.
Tantas
vezes comparado com A Arte da Guerra, de Sun Tzu, Hagakure não é, porém, um
simples guia de estratégia militar. Tsunetomo não dá conselhos para generais,
mas para guerreiros. Ele fala de disciplina, da importância da força de
vontade, da elegância, conta histórias exemplares e nos descreve cenas do
cotidiano japonês no período que foi o auge dos samurais.
Este
é um livro essencial não apenas para todos os interessados no fascínio dos samurais
e das artes marciais, mas também para os que desejam saber mais sobre a
história do Japão e a filosofia oriental. E para todos aqueles que pensam ter
ainda algo a aprender com as palavras de 200 anos de um antigo samurai."
Símbolo de coragem, destreza e
determinação, o samurai é uma das imagens mais fortes associadas ao Japão
antigo. Desde ícones populares modernos como Samurai X e Samurai Jack, além do aclamado
mangá da década de 70, Lobo Solitário, o conceito do guerreiro implacável, mas
honrado, inspira inúmeras narrativas. Dominando o Japão entre 1185 e 1868, essa
elite militar vivia, matava e morria para defender a segurança e a honra de
seus mestres, os senhores feudais. No entanto, a compreensão do espírito desses
espadachins sempre foi uma incógnita.
O autor de Hagakure, Yamamoto Tsunetomo,
foi um samurai que, após a morte de seu mestre, foi proibido de cometer suicídio
ritual para acompanhá-lo no além. Aposentou-se e tornou-se monge no ano de
1700. Para homenagear seu senhor, passou adiante seus ensinamentos, histórias e
ideais a um jovem samurai chamado Tashiro Tsuramoto, que o visitou durante 7
anos. O resultado foi o Hagakure, cujo título pode ser traduzido por algo como
"oculto pelas folhas" ou "folhas escondidas".
O Hagakure é literalmente o livro do
samurai. Escrito no momento em que essa casta encontrava-se em declínio,
Yamamoto tenta passar adiante, em uma série de curtas passagens, o espírito de
sua classe, definindo exatamente o que significa ser um samurai, ao mesmo tempo
em que serve como um tipo de manual para todos os que pretendiam seguir esse
caminho.
"Se tivéssemos que dizer em
poucas palavras o que é ser um samurai, a base de tudo seria a devoção total do
corpo e da alma a nosso mestre. E se nos perguntássemos o que fazer além disso,
a resposta seria nos prepararmos internamente com inteligência, humanidade e
coragem."
O livro nos conta um pouco de tudo o
que se relacionava à vida dos samurais, com muitas histórias interessantes. Diversas
passagens relatam detalhes da vida cotidiana, aspectos sombrios do treinamento
de um samurai, e fatos acontecidos com Yamamoto, com pessoas próximas ou que
viveram em tempos anteriores e de cujas vidas ele tomou conhecimento. O
resultado é um amplo painel histórico e social sobre o mundo em que o autor
viveu.
É muito interessante ler as passagens
que mostram até que ponto chegava a submissão desses guerreiros, sempre
dispostos a morrer pelo mestre, e outras que trazem uma simplicidade e sabedoria
desconcertantes e atuais. Ao mesmo tempo, toda a rigidez inflexível e impiedosa
da cultura japonesa desse período é um tanto quanto assustadora. Não sei dizer
se era assim também em outras partes do mundo na época, mas é um tanto quanto
chocante ver pessoas matarem outras pessoas por coisas relativamente pequenas,
como um encontrão na rua, ou uma encarada. Não que isso não acontece hoje em
dia, mas esses eventos foram retratados quase como algo corriqueiro. Mas até
nos exageros os japoneses tem seu próprio código de honra. Mais do que se
sentir ofendido, é como um conjunto de regras não escritas que diz que nunca se
deve levar um desaforo e não fazer nada. É melhor morrer em uma "honrosa"
atitude de prestação de contas, do que continuar vivendo, mas carregando aquela
ofensa a você e a seus antepassados pelo resto da vida.
Mas os ensinamentos de Tsunetomo também
envolvem muito respeito, compaixão, solidariedade e gentileza com o próximo. É
impressionante a complexidade e sabedoria da milenar cultura japonesa.
"Portanto, o Caminho do Samurai
é, dia após dia, preparar-se para a morte, ponderando se ocorrerá aqui ou ali,
imaginando a maneira mais honrosa de morrer, e focando a mente na morte com
todas as forças."
Devemos irrelevar alguns comentários
bastante machistas, afinal, foi escrito no Japão de séculos atrás. Há também
uma pequena passagem que fala a respeito da homossexualidade. Mesmo que medindo as suas
palavras, esse trecho deixa a entender que os japoneses lidavam com esse assunto
com um pouco menos de tabu do que os ocidentais.
Diferente de A Arte da Guerra, de Sun Tzu,
Hagakure não ensina generais a tomar decisões, e sim o guerreiro a viver cada
dia.
"Enxergar o mundo como se fosse
um sonho é um bom ponto de vista. Quando tem um pesadelo, você acorda e diz a
si mesmo que era apenas um sonho. Dizem que o mundo em que vivemos não é muito
diferente disso."
Hagakure definitivamente é um livro
que vale a pena ser lido. Lê-lo só me fez gostar mais ainda da cultura
japonesa, e me fez ficar embasbacado com o quanto uma cultura tão antiga podia
ter princípios tão sábios. A melhor parte da leitura do Livro do Samurai é tentar
imaginar um mundo onde as pessoas pensavam assim, todo um império funcionando de
acordo com esses princípios. O livro pode ser lido também de modo aleatório,
abrindo-se em qualquer página, como num livro de citações ou pequenas crônicas.
Enfim, é leitura obrigatória para
interessados em cultura japonesa ou pessoas que queiram pensar um pouquinho
fora da caixa. Hagakure O Livro do Samurai é uma preciosa incursão no honrado e
repleto de belos ensinamentos, mas ao mesmo tempo violento e desconhecido,
mundo dos samurais.
Entrelinhas
A edição brasileira é a tradução de uma seleção de trechos interessantes compilados pelo tradutor americano William
Scott Wilson. A original em japonês possui mais de treze mil tópicos, reduzidos aqui para
cerca de trezentos. Há ainda um glossário que explica nomes, lugares e termos
referidos na obra.
A obra está esgotada nos
fornecedores, e é difícil encontrar até mesmo em sebos, que costumam cobrar
caro pelo livro. Felizmente, não é tão difícil assim encontrá-lo em bibliotecas
públicas ou particulares.
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