Elysium

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Eu estava ansioso para assistir o mais recente filme de Neil Blomkamp, diretor do badalado Distrito 9. Apesar de ainda não ter visto seu primeiro filme, esperava bastante de Elysium, que contou com um orçamento bem mais gordo que aquele em seu bem-sucedido trabalho de estreia. Apesar de se deixar levar por certas características padrão de filmes blockbuster, Blomkamp conseguiu unir o melhor de dois gêneros, usando da ficção científica para nos fazer refletir, ao apontar e extrapolar falhas da sociedade contemporânea.


            Na trama, após a superpopulação, poluição e doenças deixarem a Terra em um estado crítico, os ricos e poderosos abandonam o planeta e vão para a estação espacial Elysium, um paraíso privativo onde seus habitantes aproveitam confortavelmente o melhor que a tecnologia pode lhes oferecer, incluindo acesso a tecnologias médicas que erradicam doenças e fraturas em questão de segundos. Enquanto isso, o berço da humanidade transformou-se em uma imensa favela, suja e densamente povoada pela “ralé”, usada pela elite como mão de obra na manufatura de robôs e bens de serviço para a minoria privilegiada.
         O protagonista de Elysium é Max (Matt Damon), um ex-arruaceiro em condicional que trabalha em uma indústria robótica prestadora de serviços de segurança para Elysium. Em um dia comum de trabalho acaba sofrendo um trágico acidente e se contaminando seriamente com radiação. Seu prognóstico: apenas cinco derradeiros dias de vida. A única chance de Max reverter essa situação é ir para Elysium, pois lá é o único lugar com tecnologia o suficiente para curá-lo. O filme ainda conta com a participação dos brasileiros Wagner Moura e Alice Braga, o primeiro interpretando o personagem Spider, um tipo de coiote daquele mundo, ou seja, o agente que conduz os imigrantes ilegais pelas áreas de fronteira, mediante pagamento.
            O cenário imaginado por Blomkamp é uma versão futurista daquele que vivemos, com a estação espacial servindo como um gigantesco e paradisíaco condomínio fechado orbital, protegendo seus habitantes do contato com a população geral, suja, sem educação ou opções na vida. Temos ricos isolados em um paraíso artificial, com todos os confortos oferecidos pela tecnologia de ponta, uma alusão ao enclausuramento das classes altas em seus carros blindados e condomínios de segurança máxima. Do outro lado, temos 99% da população mundial, vivendo na pobreza e sem nenhuma assistência.
             
 “Mesmo a vida mais miserável é melhor que uma existência protegida em uma sociedade onde tudo é calculado e perfeito.” (A Doce Vida, 1960)

            As diferenças sociais de Elysium são exageradas, mas esse exagero está presente para nos jogar na cara toda a crítica social que é a base ideológica do filme. Em muitos dos comentários sobre o longa que andei lendo pela internet, vi pessoas comentando que era um exagero a existência de uma máquina capaz de curar todo tipo de doença, e que se tal máquina realmente existisse, não haveriam motivos para o precário sistema médico na Terra, já que no mínimo parte dessa tecnologia poderia estar disponível em alguns poucos pontos espalhados pelo planeta. Será mesmo? Às vezes me surpreendo com a inocência de algumas pessoas. A imagem de tal máquina, e de toda a luta pelo acesso à essa tecnologia,  é usada para servir de crítica ao nosso atual sistema médico. Afinal, vivemos em uma sociedade altamente desenvolvida, com tecnologia disponível, e mesmo assim, somente os mais ricos tem fácil acesso aos melhores tratamentos. Será que seria mesmo um exagero falar que, num mundo como o nosso, somente os mais ricos teriam acesso a tal máquina "mágica", caso ela existisse?

" O mais triste no filme é notar o quanto a visão apocalíptica de Neill Blomkamp sobre o futuro da humanidade nos parece correta e inevitável. Realmente faz a gente pensar que chance tem a humanidade e como viverão os filhos dos nossos filhos. "

           Além dessa, que é a mais escancarada das críticas sociais presentes em Elysium, o filme também aborda outras questões que nos fazem refletir um pouco como o próprio conformismo e a passividade com a pobreza, o fato de que a própria Elysium só funciona porque é sustentada pelos trabalhadores na Terra, o sentimento de superioridade das elites dos países, dentre outras coisas que a princípio podem passar despercebidas.
           Há algumas cenas sensacionais, como um breve momento de discussão entre o personagem vivido por Matt Damon e uma máquina. Quem nunca se irritou ao tentar dialogar com aquelas benditas gravações de operadoras de celular, TV por assinatura, etc?
            Visualmente, o filme é impecável. Desde o design mecânico dos robôs, naves e armas modernas  ao imenso “favelão” terrestre, tudo é enxergado de forma crível e palpável, e é muito fácil acreditar que aquilo tudo de fato existe. Há um certo momento, logo no começo do filme, em que o personagem principal fica olhando para Elysium no céu noturno, assim como olhamos a Lua. A tomada é tão bem feita, e os efeitos visuais tão minuciosos, que eu senti como se eu mesmo estivesse sentado ali ao lado dele, observando aquela superestrutura mecânica em órbita da Terra.
            Infelizmente, nem tudo são flores em Elysium. Apesar do bom elenco e das boas atuações, os personagens não tem motivação, e são muito rasos. Fica difícil criar muita empatia e entender bem seus motivos. Wagner Moura, porém, que é quase um co-protagonista, nos apresenta um dos personagens mais interessantes da trama, se sobressaindo e quase roubando a cena sempre que aparece. Por mais caricato que seja o Spider que o ator nos entrega, o mesmo é repleto de carisma. Pena que, da mesma forma que com os outros personagens do filme, pouco se saiba sobre suas motivações.
           Alice Braga faz o par romântico de Matt Damon. Apesar da boa atuação, sua personagem pouco acrescenta ao filme.
           Outra boa atriz com um personagem muito aquém de seu talento é Jodie Foster, que interpreta uma vilã muito estereotipada e da qual não conseguimos extrair nenhuma motivação que encabece suas atitudes. Curiosamente, o personagem que menos precisa de compreensão é o de Sharlto Copley, que viveu o protagonista de Distrito 9. O personagem, que é quase sempre uma desculpa pras tomadas de ação, é anarquista, fanfarrão e quase um sociopata. Nada mais precisa ser dito a seu respeito, e por isso é bem simples entender suas motivações mesquinhas e selvagens.
           Outra coisa que poderia ser mais explorada é o funcionamento daquele mundo. Mesmo com dezenas de conceitos interessantíssimos, pouco conhecemos da própria Elysium e de seus habitantes. Lá pro meio da filme, há uma tomada bem rápida mostrando a parte da cidade em que vive a personagem interpretada por Alice Braga. Nesse momento temos um vislumbre do que nos parece ser um bairro de classe média, e isso me deixou com muitas dúvidas, justamente por esse mundo não ser explorado. Afinal, no começo do filme parece que o mundo todo é uma grande favela.
           Alguns pontos do roteiro também não são bem explicados, e parece que algumas coisas são fáceis demais de se resolver. Como um lugar como Elysium não tem uma proteção especial e precisa de alguém da TERRA pra derrubar as naves que tentam invadi-lo? Como assim o sistema de presidência funciona todo por computador, bastando mudar uma pequena configuração pra que toda uma hierarquia política mude, sem ninguém pra questionar? E no final do filme, para onde vão todos os robôs que fazem a segurança de Elysium? Problemas como esses no roteiro do filme podem ser difíceis de engolir pros mais "cricris", mas nada que o faça um desperdício de tempo. O final, em si, é bem corajoso, apesar da história terminar de forma muito simples, como se não houvessem consequências nenhumas pro que acabara de acontecer.
           Tudo isso ocorre devido ao orçamento de superprodução hollywoodiana, que traz responsabilidades maiores com o retorno financeiro, fazendo o roteiro apenas tatear a superfície do que poderia ser um apanhando mais profundo à crítica proposta e ao desenvolvimento do próprio mundo criado por ele. Em determinado momento, Elysium se torna um filme ação. Não que isso seja de todo ruim, porque é legal você ir ao cinema e assistir boas cenas de ação permeadas com uma boa mensagem ou crítica social. Porém, ao mesmo tempo, o filme começa a cair nos preceitos comuns de um blockbuster americano. As cenas de ação, que são ótimas, podiam ser mais curtas, mesmo que ainda presentes, dando tempo para um melhor desenvolvimento dos personagens e do mundo a sua volta.
        Enfim, pelo menos Elysium traz um "plot" nem um pouco convencional em superproduções americanas, o que por si só já acrescenta a um filme que poderia ser só mais um filme de ação.





Link do Trailer Legendado: http://www.youtube.com/watch?v=hThZkWfWiWk

Entrelinhas

            A nota de Elysium foi uma das mais difíceis que já dei. Se você for ao cinema em busca de entretenimento e cenas de ação, o filme vai conseguir ganhar facilmente as suas quatro estrelas, pois além de entregar tudo isso de bandeja, ainda vai te apresentar uma boa dose de crítica social, além de abordar temas muito interessantes. Por outro lado, se você for assisti-lo esperando ver um bom sci-fi, que explora todo o mundo criado e seus habitantes, e nos apresenta personagens profundos e tramas complexas,  com muito mais reflexões do que cenas de pancadaria, pode se decepcionar um pouco. Se eu fosse você iria da primeira maneira: iria tirar muito mais proveito da obra.


As críticas do Portfólio da Vida não são feitas por um profissional. Não sou crítico de cinema, nem me encho de referências para criticar um filme. Minhas opiniões são como as suas: alguém que adora filmes e os assiste em busca de diversão, e porque não, boas reflexões.  Não assisto filmes procurando furos de roteiro, portanto um filme cinco estrelas não necessariamente é um filme perfeito, mas sim um filme que mexeu comigo, e me prendeu do começo ao fim. Da mesma forma, filmes com notas mais baixas não são ruins, apenas não me despertaram tanto interesse, mas podem despertar o seu. Nunca deixe de assistir um filme por causa da opinião de outras pessoas. E lembre-se: discussões saudáveis são sempre bem vindas!




2 comentários:

Paulo Rennes Marçal Ribeiro disse...

Vou comentar primeiro o final. Padu Aragon foi muito sábio com sua observação em vermelho, ao final do texto. Eu já li muitas críticas a filmes feitas por "notáveis" críticos profissionais que não passam de uma exposição de recalques ou frustrações em que esses críticos detonam filmes que achei muito bons... A crítica é sempre subjetiva e expressa a opinião de quem a faz, mas não necessariamente corresponde à realidade. Filmes são histórias, e histórias sempre mexem com nossa psiquê. Dependendo do que temos ali, dependendo de nossos afetos e experiências, é que nos manifestamos positiva ou negativamente. E, cá entre nós, críticos muitas vezes encontram na crítica uma forma de agredir, de atacar... Aí, pagam os "filmes"... É claro que há furos em roteiro, interpretações não muito boas, falhas que objetivamente podem ser identificadas... Mas também há críticas insanas, sem sentido, de filmes que agradam o público... Por isso me tocou bastante a frase de Padu Aragon: "Nunca deixe de assistir a um filme por causa da opinião de outras pessoas". É isso aí, assista e tire você mesmo sua opinião.
Mas, indo ao ponto, a "crítica" de Padu Aragon sobre Elysium é inteligente, neutra e, mesmo apontando as falhas e o que não gostou, é um incentivo para que as pessoas assistam ao filme. Ele sempre é brilhante no que escreve porque cativa o leitor e o estimula a conhecer o objeto de sua crítica. Ainda não pude assistir Elysium, mas tenho agora mais um motivo para não demorar a fazê-lo. Parabéns, Padu!

Luiz Victor disse...

Ótima resenha. Realmente, senti mais pelo amigo de Max do que pelo Max.

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