Eu
estava ansioso para assistir o mais recente filme de Neil Blomkamp, diretor do badalado Distrito 9. Apesar de ainda não ter visto seu primeiro filme,
esperava bastante de Elysium, que
contou com um orçamento bem mais gordo que aquele em seu bem-sucedido trabalho
de estreia. Apesar de se deixar levar por certas características padrão de
filmes blockbuster, Blomkamp conseguiu unir o melhor de dois gêneros, usando da
ficção científica para nos fazer refletir, ao apontar e extrapolar falhas da sociedade
contemporânea.
Na trama, após a superpopulação, poluição e doenças deixarem a Terra em um estado crítico, os ricos e poderosos abandonam o planeta e vão para a estação espacial Elysium, um paraíso privativo onde seus habitantes aproveitam confortavelmente o melhor que a tecnologia pode lhes oferecer, incluindo acesso a tecnologias médicas que erradicam doenças e fraturas em questão de segundos. Enquanto isso, o berço da humanidade transformou-se em uma imensa favela, suja e densamente povoada pela “ralé”, usada pela elite como mão de obra na manufatura de robôs e bens de serviço para a minoria privilegiada.
O protagonista de Elysium é Max (Matt Damon), um ex-arruaceiro em condicional que trabalha em uma indústria robótica prestadora de serviços de segurança para Elysium. Em um dia comum de trabalho acaba sofrendo um trágico acidente e se contaminando seriamente com radiação. Seu prognóstico: apenas cinco derradeiros dias de vida. A única chance de Max reverter essa situação é ir para Elysium, pois lá é o único lugar com tecnologia o suficiente para curá-lo. O filme ainda conta com a participação dos brasileiros Wagner Moura e Alice Braga, o primeiro interpretando o personagem Spider, um tipo de coiote daquele mundo, ou seja, o agente que conduz os imigrantes ilegais pelas áreas de fronteira, mediante pagamento.
O cenário imaginado por Blomkamp é
uma versão futurista daquele que vivemos, com a estação espacial servindo como
um gigantesco e paradisíaco condomínio fechado orbital, protegendo seus habitantes
do contato com a população geral, suja, sem educação ou opções na vida. Temos
ricos isolados em um paraíso artificial, com todos os confortos oferecidos pela
tecnologia de ponta, uma alusão ao enclausuramento das classes altas em seus
carros blindados e condomínios de segurança máxima. Do outro lado, temos 99% da
população mundial, vivendo na pobreza e sem nenhuma assistência.
“Mesmo a vida mais miserável é melhor que uma
existência protegida em uma sociedade onde tudo é calculado e perfeito.” (A Doce
Vida, 1960)
As diferenças sociais de Elysium são exageradas, mas esse exagero está presente para nos jogar na cara toda a
crítica social que é a base ideológica do filme. Em muitos dos comentários sobre o
longa que andei lendo pela internet, vi pessoas comentando que era um exagero a
existência de uma máquina capaz de curar todo tipo de doença, e que se tal
máquina realmente existisse, não haveriam motivos para o precário sistema médico na Terra,
já que no mínimo parte dessa tecnologia poderia estar disponível em alguns
poucos pontos espalhados pelo planeta. Será mesmo? Às vezes me surpreendo
com a inocência de algumas pessoas. A imagem de tal máquina, e de toda a luta
pelo acesso à essa tecnologia, é usada
para servir de crítica ao nosso atual sistema médico. Afinal, vivemos em uma
sociedade altamente desenvolvida, com tecnologia disponível, e mesmo assim,
somente os mais ricos tem fácil acesso aos melhores tratamentos. Será que seria
mesmo um exagero falar que, num mundo como o nosso, somente os mais ricos teriam
acesso a tal máquina "mágica", caso ela existisse?
" O mais triste no
filme é notar o quanto a visão apocalíptica de Neill Blomkamp sobre o futuro da
humanidade nos parece correta e inevitável. Realmente faz a gente pensar que
chance tem a humanidade e como viverão os filhos dos nossos filhos. "
Além dessa, que é a mais escancarada das
críticas sociais presentes em Elysium, o filme também aborda outras questões
que nos fazem refletir um pouco como o próprio conformismo e a passividade com
a pobreza, o fato de que a própria Elysium só funciona porque é sustentada
pelos trabalhadores na Terra, o sentimento de superioridade das elites dos
países, dentre outras coisas que a princípio podem passar despercebidas.
Há algumas cenas sensacionais, como um
breve momento de discussão entre o personagem vivido por Matt Damon e uma
máquina. Quem nunca se irritou ao tentar dialogar com aquelas benditas
gravações de operadoras de celular, TV por assinatura, etc?
Visualmente, o filme é impecável. Desde
o design mecânico dos robôs, naves e armas modernas ao imenso “favelão” terrestre, tudo é
enxergado de forma crível e palpável, e é muito fácil acreditar que aquilo tudo
de fato existe. Há um certo momento, logo no começo do filme, em que o
personagem principal fica olhando para Elysium no céu noturno, assim como
olhamos a Lua. A tomada é tão bem feita, e os efeitos visuais tão minuciosos,
que eu senti como se eu mesmo estivesse sentado ali ao lado dele, observando
aquela superestrutura mecânica em órbita da Terra.
Infelizmente, nem tudo são flores em
Elysium. Apesar do bom elenco e das boas atuações, os personagens não tem
motivação, e são muito rasos. Fica difícil criar muita empatia e entender bem
seus motivos. Wagner Moura, porém, que é quase um co-protagonista, nos
apresenta um dos personagens mais interessantes da trama, se sobressaindo e
quase roubando a cena sempre que aparece. Por mais caricato que seja o Spider que o ator nos entrega, o mesmo é repleto de carisma. Pena que, da
mesma forma que com os outros personagens do filme, pouco se saiba sobre suas
motivações.
Alice Braga faz o par romântico de
Matt Damon. Apesar da boa atuação, sua personagem pouco acrescenta ao filme.
Outra boa atriz com um personagem
muito aquém de seu talento é Jodie
Foster, que interpreta uma vilã muito estereotipada e da qual não
conseguimos extrair nenhuma motivação que encabece suas atitudes. Curiosamente,
o personagem que menos precisa de compreensão é o de Sharlto Copley, que viveu o protagonista de Distrito 9. O personagem, que é quase sempre uma desculpa pras
tomadas de ação, é anarquista, fanfarrão e quase um sociopata. Nada mais
precisa ser dito a seu respeito, e por isso é bem simples entender suas
motivações mesquinhas e selvagens.
Outra coisa que poderia ser mais
explorada é o funcionamento daquele mundo. Mesmo com dezenas de conceitos
interessantíssimos, pouco conhecemos da própria Elysium e de seus habitantes. Lá
pro meio da filme, há uma tomada bem rápida mostrando a parte da cidade em que vive a
personagem interpretada por Alice Braga. Nesse momento temos um vislumbre do
que nos parece ser um bairro de classe média, e isso me deixou com muitas
dúvidas, justamente por esse mundo não ser explorado. Afinal, no começo do
filme parece que o mundo todo é uma grande favela.
Alguns pontos do roteiro também não são bem
explicados, e parece que algumas coisas são fáceis demais de se resolver. Como um lugar como Elysium não tem uma proteção especial e precisa de alguém da TERRA pra derrubar as naves que tentam invadi-lo? Como assim o sistema de presidência funciona todo por computador, bastando mudar uma pequena configuração pra que toda uma hierarquia política mude, sem ninguém pra questionar? E no final do filme, para onde vão todos os robôs que fazem a segurança de Elysium? Problemas como esses no roteiro do filme podem ser difíceis de engolir pros mais "cricris", mas nada que o faça um desperdício de tempo. O final, em si, é bem corajoso, apesar da história terminar de forma muito simples, como se não houvessem consequências nenhumas pro que acabara de acontecer.
Tudo isso ocorre devido ao orçamento de
superprodução hollywoodiana, que traz responsabilidades maiores com o retorno
financeiro, fazendo o roteiro apenas tatear a superfície do que poderia ser um
apanhando mais profundo à crítica proposta e ao desenvolvimento do próprio
mundo criado por ele. Em determinado momento, Elysium se torna um filme ação.
Não que isso seja de todo ruim, porque é legal você ir ao cinema e assistir
boas cenas de ação permeadas com uma boa mensagem ou crítica social. Porém, ao
mesmo tempo, o filme começa a cair nos preceitos comuns de um blockbuster
americano. As cenas de ação, que são ótimas, podiam ser mais curtas, mesmo que
ainda presentes, dando tempo para um melhor desenvolvimento dos personagens e
do mundo a sua volta.
Enfim, pelo menos Elysium traz um
"plot" nem um pouco convencional em superproduções americanas, o que
por si só já acrescenta a um filme que poderia ser só mais um filme de ação.
Link
do Trailer Legendado: http://www.youtube.com/watch?v=hThZkWfWiWk
Entrelinhas
A nota de Elysium foi uma das mais difíceis que já dei. Se você for ao cinema
em busca de entretenimento e cenas de ação, o filme vai conseguir ganhar facilmente as suas quatro estrelas, pois além de entregar tudo isso de bandeja, ainda vai te apresentar
uma boa dose de crítica social, além de abordar temas muito interessantes. Por
outro lado, se você for assisti-lo esperando ver um bom sci-fi, que explora
todo o mundo criado e seus habitantes, e nos apresenta personagens profundos e tramas
complexas, com muito mais reflexões do
que cenas de pancadaria, pode se decepcionar um pouco. Se eu fosse você iria da
primeira maneira: iria tirar muito mais proveito da obra.
As críticas do Portfólio da Vida não são feitas por um profissional. Não sou crítico de cinema, nem me encho de referências para criticar um filme. Minhas opiniões são como as suas: alguém que adora filmes e os assiste em busca de diversão, e porque não, boas reflexões. Não assisto filmes procurando furos de roteiro, portanto um filme cinco estrelas não necessariamente é um filme perfeito, mas sim um filme que mexeu comigo, e me prendeu do começo ao fim. Da mesma forma, filmes com notas mais baixas não são ruins, apenas não me despertaram tanto interesse, mas podem despertar o seu. Nunca deixe de assistir um filme por causa da opinião de outras pessoas. E lembre-se: discussões saudáveis são sempre bem vindas!
2 comentários:
Vou comentar primeiro o final. Padu Aragon foi muito sábio com sua observação em vermelho, ao final do texto. Eu já li muitas críticas a filmes feitas por "notáveis" críticos profissionais que não passam de uma exposição de recalques ou frustrações em que esses críticos detonam filmes que achei muito bons... A crítica é sempre subjetiva e expressa a opinião de quem a faz, mas não necessariamente corresponde à realidade. Filmes são histórias, e histórias sempre mexem com nossa psiquê. Dependendo do que temos ali, dependendo de nossos afetos e experiências, é que nos manifestamos positiva ou negativamente. E, cá entre nós, críticos muitas vezes encontram na crítica uma forma de agredir, de atacar... Aí, pagam os "filmes"... É claro que há furos em roteiro, interpretações não muito boas, falhas que objetivamente podem ser identificadas... Mas também há críticas insanas, sem sentido, de filmes que agradam o público... Por isso me tocou bastante a frase de Padu Aragon: "Nunca deixe de assistir a um filme por causa da opinião de outras pessoas". É isso aí, assista e tire você mesmo sua opinião.
Mas, indo ao ponto, a "crítica" de Padu Aragon sobre Elysium é inteligente, neutra e, mesmo apontando as falhas e o que não gostou, é um incentivo para que as pessoas assistam ao filme. Ele sempre é brilhante no que escreve porque cativa o leitor e o estimula a conhecer o objeto de sua crítica. Ainda não pude assistir Elysium, mas tenho agora mais um motivo para não demorar a fazê-lo. Parabéns, Padu!
Ótima resenha. Realmente, senti mais pelo amigo de Max do que pelo Max.
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