O Carteiro e o Poeta

segunda-feira, 19 de agosto de 2013



O carteiro e o poeta, filme de 1994, é um daqueles filmes simples, mas cuja história é capaz de emocionar. Não é um filme onde eu fiquei buscando erros e acertos pra dar uma nota, mas sim um filme que me tirou um pouco do que estou acostumado a assistir, e, porque não, me fez refletir sobre algo com o qual não estou nem um pouco familiarizado: a beleza da poesia.

                O carteiro e o poeta, dirigido por Michael Radford, é a história de Mario Ruoppolo (Massimo Troisi), morador de uma pequena ilha na costa italiana, cuja perspectiva de vida é a mesma de todos os jovens de lá: tornarem-se pescadores assim como são seus pais e foram os pais de seus pais. Ele não aceita o que lhe é oferecido pelo ambiente social em que vive e sonha com outra vida longe dali.  Certo dia, andando em sua bicicleta, Mario descobre uma placa que anuncia um trabalho temporário como carteiro. É assim que ele passa a conhecer Pablo Neruda (Philippe Noiret), o poeta comunista chileno que está exilado em sua ilha. Mario Ruoppolo passa a ser seu carteiro particular e Pablo Neruda o seu único cliente. Todos os dias o simplório carteiro sobe a montanha em sua bicicleta para levar a correspondência ao poeta. De início meio inconveniente, Mario vai se aproximando de Neruda, e ali começa a nascer uma amizade um tanto quanto inesperada.  Tocado pelas poesias de Pablo, aos poucos o quase analfabeto Mario vai descobrindo o valor e a eficácia da palavra, e pede ajuda ao poeta para ajudá-lo a conquistar o coração do amor de sua vida, a garçonete Beatriz.
                 Uma das cenas que mais me chamou atenção no filme foi quando Mario teve seu primeiro contato com os poemas de Pablo Neruda. É um ótimo diálogo, que inicia com Mario dizendo que se identificava com o que o poeta dizia, mas que ele nunca tinha conseguido expressar aquele sentimento em palavras e, ao ler seus poemas, foi como se todo aquele sentimento estivesse ali, dito por outra pessoa que expressava melhor do que ele o que ele próprio sentia. E isso é poesia.
                No mesmo diálogo, Neruda diz que não pode explicar suas metáforas, pois isso tiraria o significado de seus poemas. O sábio poeta diz que é o significado que cada um dá aos seus textos que o dão o devido valor.
                É a partir dessas conversas que o mundo de Mario, que antes só se concebia nas margens da ilha, transforma-se.
                O filme vai mostrando claramente como Mario vai adquirindo uma nova visão de mundo a partir das poesias, e como a sua relação com a própria sociedade em que vivia vai se modificando. Mario passa a ser mais crítico: começa a compreender os abusos cometidos pelos poderes locais, a exploração dos pescadores, a manipulação das eleições, e engaja-se na oposição política.
               A narrativa também gosta de mostrar que a palavra tem o poder de mexer com as pessoas, e isso fica bem claro em uma cena em que a tia de Beatriz diz que prefere que um homem passe a mão em sua sobrinha do que receber poemas com palavras bonitas, já que tais metáforas inquietam o coração, mexendo com a cabeça das pessoas. E isso não só no amor.
                O filme se torna ainda mais emocionante na medida que vai se aproximando do final. Neruda tem o seu mandato de prisão revogado, e deixa a ilha. Mesmo fisicamente separados, Mario já não é mais o mesmo. Na medida que o tempo vai passando, e Mario passa os dias ansiosamente esperando por uma carta do amigo, acontece uma das cenas mais bonitas de todo o longa metragem. Mario, antes insatisfeito com a vida que tinha em sua ilha, resolve mandar ao poeta uma gravação de fonógrafo, respondendo uma antiga pergunta de Neruda: "o que tem de belo nessa ilha?". E é aí que entra a mágica da poesia: o som das ondas na praia, o vento uivando nos rochedos, os grilos cantando durante a noite, o céu estrelado. Mario passa a enxergar o que todo poeta procura: a beleza nos pequenos detalhes ao nosso redor. Mario pode não ter percebido, como ele mesmo diz que nunca foi bom em fazer poemas, mas naquele momento ele tinha, sim, se tornado um poeta.
                Vale destacar também a belíssima fotografia do filme. Me dá um pouquinho de angústia ver a vida tão simples levada pelos humildes pescadores, mas que paisagens lindas as dessa ilha.
                O carteiro e o poeta foi baseado no livro Ardiente Paciencia, do escritor chileno Antonio Skármeta, porém, livro e filme tomam rumos diferentes ao longo da narrativa. Uma das diferenças pontuais é que em seu romance, Antonio Skármeta conta a história de Neruda durante o seu exílio em Isla Negra, no Chile. Já no filme, a trama foi transposta para a Itália, onde Neruda teria se exilado. As diferenças vão se acentuando na medida que o filme vai acontecendo. O final é particularmente diferente. No livro, Mario chega a rever Neruda, e nada do que acontece no final do filme acontece no final do livro, que foca nos últimos dias do poeta chileno.
                Eu nunca fui fã de poesia, mas esse filme conseguiu me mostrar o que é verdadeiramente a poesia, e o seu poder transformador. O poeta vê a beleza nas pequenas coisas, e, cá entre nós, quem vê beleza nos pequenos detalhes da vida nunca terá motivos para ser infeliz. A poesia é espontânea, natural, envolta em sentimentos e percepções.

“A poesia não pertence àqueles que a escrevem, mas sim àqueles que precisam dela.”
(O carteiro e o poeta)


Entrelinhas

                É curioso o fato de que Massimo Troisi passou anos tentando realizar o projeto do filme e, da mesma forma que seu personagem não chega a conhecer seu filho Pablito e nem volta a rever seu amigo Pablo, não chegou a ver seu filme pronto, já que veio a falecer poucas horas depois de terem sido concluídas a filmagem. O ator adiou uma cirurgia cardíaca para poder completar o filme.
                Outra curiosidade: o ator francês Philippe Noiret foi dublado por não falar italiano nem espanhol.

3 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns !! belo trabalho !vale a pena, sair um pouco ´do conhecido e dar uma chances a outro tipo de filmes.... obrigada pela companhia também! bj

Anônimo disse...

a foto do post, é belíssima !!

Cris Seixas disse...

Parabéns por seu comentário! Para mim,este filme ensina a arte do olhar... um aprendizado para a sensibilidade.

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