O Cavaleiro das Trevas, escrito e desenhado por Frank Miller em 1986, é um dos maiores
clássicos dos quadrinhos. A minissérie apresentou ao mundo um novo Batman, e
talvez seu maior mérito tenha sido contar uma história adulta no mundo dos
super-heróis, chamando a atenção da mídia e do público para um gênero que era
considerado, até aquele momento, infantil. Frank Miller ajudou a elevar o
universo das HQs a um nível mais maduro de literatura, o qual se distanciaria
cada vez mais dos "quadrinhos para crianças", e o Batman nunca mais
foi o mesmo depois de O Cavaleiro das
Trevas.
A história de O Cavaleiro das Trevas (TDKR) é situada em um futuro alternativo do
Universo DC, se passando 10 anos após a suposta aposentadoria do vigilante
mascarado. Os heróis no mundo estão extintos por lei e Superman, o último em
atividade, é um agente secreto americano, um tipo de superarma usada pelo
governo em casos de guerra ou crise internacionais. Porém, o aumento de
criminalidade em Gotham City faz o homem-morcego sair das trevas da
aposentadoria e encarar de frente novamente os criminosos da cidade, usando de inteligência
e força bruta para fazer justiça.
Uma das maiores qualidades dessa
história é que ela nunca fica datada. Ela continua sendo muito atual. Todas as
críticas à sociedade, ao governo, e à mídia, continuam pertinentes. Depois de
ler O Cavaleiro das Trevas, nunca
mais consegui assistir a um telejornal da mesma maneira. A crítica a mídia é
muito clara, principalmente quanto a sua banalização da violência.
"E a mídia? Bem, digamos que já
se falou demais sobre a Paris Hilton."
(Frank Miller)
O autor dá destaque também a procura
da mídia por culpados. Ela culpa o Batman pelas ondas reacionárias de
violência, tentando encontrar um bode expiatório para os males da sociedade,
mas se esquece que o Batman só existe
por causa desses mesmos males. O menino só ficou órfão e se tornou um
justiceiro mascarado devido às mazelas de uma metrópole adoecida. Contraditório
não? Qualquer semelhança com o atual momento de nosso país NÃO é mera
coincidência.
Como quase toda obra escrita no
período pós Segunda Guerra, há também uma clara referência à Guerra Fria, e às guerras
de conquista dos EUA. Em meio a toda trama, um conflito militar se inicia em
uma ilha caribenha com o nome fictício de Corto Maltese, numa clara alusão do
autor à Cuba. EUA e União Soviética iniciam um conflito armado em plena ilha,
ignorando por completo os 2 milhões de habitantes que não tem nada a ver com os
problemas das duas superpotências.
Além disso, com o combate contra a
violência promovida pelo Batman, Frank Miller nos mostra as diversas facetas de
uma grande metrópole, explorando não só o submundo, mas também a reação da sociedade
sobre a volta do homem-morcego. A genial estratégia usada por Miller é
representar, nos quadrinhos, noticiários de TV onde diversas pessoas são
entrevistadas, e são expostas a opinião da mídia e do público em geral. Assim,
ao longo das mais de 200 páginas da minisséria, vamos pescando críticas e passagens
que nos fazem refletir sobre nossa condição e sobre nossa sociedade decante.
Além de tudo isso que já falei,
existiu uma grande ousadia do autor em colocar o Superman nessa história. Isso
porque, em TDKR, o personagem, que é
um dos mais populares super-heróis e símbolo do homem americano, não passa de uma espécie de
marionete governamental.
Genericamente falando, o Superman é o
oposto do Batman. Porém, coisas que antes já existiam, mas eram sutis demais
para percebermos, em TDKR ficam muito claras. Superman é o herói da luz; ele
veio de um lugar melhor pra servir de exemplo para sermos algo melhor. O Batman
não; ele veio do fundo do poço, veio de baixo. Enquanto o Superman tirou todos os seus
princípios da boa educação que teve dos pais e das suas lições de vida, Bruce viu o mundo cair sobre sua cabeça
quando ainda era apenas uma criança, e teve que aprender sofrendo na vida. Ele
não acredita que possa servir de exemplo, pois ele sabe melhor que qualquer um como
o ser humano pode ser podre. E esse conflito Luz x Trevas vai aumentando de
intensidade até o capítulo final, quando vamos percebendo que um embate entre eles
é inevitável, e que o mundo é pequenos demais para os dois.
É muito fácil pra quem sempre esteve
por cima achar que você pode mudar o mundo, que as pessoas querem mudar.
"Meus
pais me ensinaram uma lição diferente. Caídos nesta rua.. Sangrando muito...
Morrendo sem razão nenhuma.. Eles me mostraram que o mundo só faz sentido
quando você o obriga a fazer." (Miller, Frank: 1986, O Cavaleiro das
Trevas, p. 196)
Claro que, mesmo que essa dualidade
exista entre os personagens, o Superman de O
Cavaleiro das Trevas é por demais caricato. É chato demais, até mesmo para
o padrão "escoteiro" do personagem. Mas essa é uma história do
Batman, e não do Superman.
E por falar nele, vale ressaltar a
mudança de status quo do personagem que veio com essa história. O Batman de
Miller é um cara atormentado e traumatizado pelo seu passado. A linha que
separa o homem-morcego de Bruce Wayne é muito tênue, e tem horas que fica muito
claro que na verdade o Batman não é o disfarce de Bruce Wayne, e sim o
contrário: o Batman é a verdadeira natureza de Bruce. Miller retrata um mundo
que precisa de um herói obsessivo, hercúleo e razoavelmente maníaco para pôr as
coisas em ordem, e coloca todas essas características no herói. Seu Batman não
possui muitas variáveis: aterroriza os criminosos até que eles praticamente se
caguem nas calças, ou então os espanca. Não há redenção ou reabilitação, apenas
expurgo e catarse. Mesmo depois do desenrolar de cerca de duzentas páginas de
história, é impossível chegar a uma conclusão definitiva: a real intenção de Miller
era colocar esse conflito em discussão ou fazer uma apologia irrestrita a
regimes direitistas?
Já a arte da HQ é, no mínimo,
diferente. Eu, particularmente, não gostei muito do seu traço. Achei um desenho
meio preguiçoso. Mas que fique claro que isso não significa falto de talento,
mas sim o estilo que Frank Miller resolveu adotar. Mas mesmo não o apreciando
muito, tenho que admitir que esse estilo combinou muito com a revista. Seu
traço combina muito bem com o clima sombrio da história, com uma Gotham suja e
perdida, tomada pelo caos. Não achei um desenho bonito, mas isso não atrapalhou
minha leitura.
Algo positivo da arte de Miller, é
seu estilo cinematográfico. Parece que você está vendo o storyboard de um
filme. Há uma ótima sacada gráfica, e um dinamismo no passar dos quadrinhos.
Resumindo tudo que já foi dito: Frank
Miller é o cara, ou pelo menos já foi. Revolucionou os quadrinhos de
super-heróis na década de 80, juntamente com Watchmen, de Alan Moore
e Dave Gibbons, injetando uma carga
nunca antes vista de ironia, sadismo e paranóia política. Batman
deixou de ser um personagem estritamente infantil, nascendo toda uma nova
mitologia em torno do personagem: mais sombria, conflituosa, cerebral e paranóica.
Ou seja, se você nunca leu O Cavaleiro
das Trevas, não sabe o que está perdendo. Mas vá preparado. Como já deixei
bem claro, você não vai encontrar uma história bonitinha com uma lição de moral
no fim. TDKR é pesado, profundo e
violento. É uma história para ser lida mais de uma vez, e a cada vez
perceberemos alguma coisa que deixamos passar batido na leitura anterior.
"Eu
quero.. Que se lembre, Clark... Para o resto da vida... Nos seus momentos mais
íntimos... Quero que se lembre... Da minha mão... Na sua garganta... A mão...
Do único homem... Que derrotou você..." (Miller, Frank: 1986, O Cavaleiro
das Trevas, p. 199)
Entrelinhas
A DC lançou duas animações baseadas
na obra de 86. Apesar de perderem parte da crítica social que existe na HQ, são
ótimas adaptações, em especial a 2° parte, que é bem emocionante, e vai agradar
muito tanto quem já leu, quanto quem nunca leu o original. Gostei muito da arte
dessas animações, recomendo.
Muita
gente não sabe, mas O Cavaleiro das
Trevas tem uma polêmica continuação. Em 2001, Miller voltou a visitar
aquela realidade alternativa a partir do fim da primeira história. Ele lançou
uma minissérie em três partes que mostra o que havia acontecido com os outros
heróis naquele tempo e revelando a extensão da corrupção não apenas de Gotham,
mas de todo o mundo, além de orquestrar o retorno de todos eles, liderados pelo
próprio Batman.
Ao contrário da minissérie original,
essa continuação não agradou os leitores. A história é totalmente nonsense,
psicodélica demais. Parece até que a intenção é ser hilário.
Vale ressaltar que Miller recebeu um
milhão de dólares pra escrever essa continuação, então muito se diz por aí que
ele não estava nem um pouco a fim de escrever uma sequencia, mas o dinheiro acabou
falando mais alto.
A primeira edição até que não é
ruim, e tem uma boa premissa. Mas a partir da segunda edição tudo começa a
desandar.
Pra começo de conversa, o foco recai
majoritariamente sobre o Superman e os membros da antiga Liga Da Justiça.Se
qualquer um poderia ler O Cavaleiro das
Trevas, o excesso de referências e personagens em TDKR 2 faz com que quem não esteja muito familiarizado com o universo
DC se perca muito facilmente no meio de tanta informação.
A arte também é muito bizarra. Vale até uma conferida.
Enfim, dentro da última edição
encadernada lançada pela Panini, esta segunda parte ainda vale como
curiosidade. Há algumas boas referencias e críticas, mas leia como se fosse uma
novidade, e esqueça que isso é a continuação de um clássico.
1 comentários:
Divulguei esta matéria no meu Face. Vale a pena ler. Os aficcionados por HQs e os fãs de Batman vão gostar da sensibilidade de Padu Aragon ao expor questões atuais da sociedade entrelaçadas com a personalidade dos heróis e com a visão de mundo dos autores dos quadrinhos.
Paulo Rennes Marçal Ribeiro
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