Há filmes
que as pessoas criam tanta expectativa, que fica difícil pra quem não está
acompanhando ali naquele meio entender o motivo de tamanho burburinho. Gravidade é um deles. Eu escutei, li e
vi tantos entendidos de cinema falando maravilhas do filme, que me senti na
obrigação de ir lá conferir o tal filme nos cinemas. Mas, sinceramente,
continuava sem conseguir entender o que podia ter demais em ver Sandra Bullock
vagando por 2 horas, completamente perdida, no espaço. Agora, depois de ver o
filme, entendi o tamanho da minha "ignorância".
O que inicialmente me afastou de
Gravidade foi interpretar a sinopse do filme ao pé da letra: Matt Kowalski
(George Clooney) é um astronauta experiente que está em missão de conserto ao
telescópio Hubble juntamente com a doutora Ryan Stone (Sandra Bullock). Ambos
são surpreendidos por uma chuva de destroços decorrente da destruição de um
satélite por um míssil russo, que faz com que sejam jogados no espaço sideral.
Sem qualquer apoio da base terrestre da NASA, eles precisam encontrar um meio
de sobreviver em meio a um ambiente completamente inóspito para a vida humana.
Por mais interessante que possa parecer para alguns, eu nunca fui muito fã de
filmes de sobrevivência. Mas aí entraram os trunfos de Gravidade: primeiro, o
filme se passa todo no espaço, e não dentro de uma nave ou estação espacial,
mas no espaço em sua mais insana totalidade. E segundo, e talvez até mais
importante, o filme não quer ser só um thriller científico, ele quer passar uma
mensagem humana. Gravidade não é a história de alguém tentando apenas
sobreviver, é a história de alguém que está reaprendendo a viver.
A astronauta interpretada por Sandra Bullock
passou por uma grande perda no passado, e não conseguiu seguir em frente. Sua
ida ao espaço, assim como todas as outras coisas que faz, é apenas uma
forma de se ocupar e esquecer da vida. Logo no início do filme, Matt a pergunta
sobre o que ela mais gosta do espaço, no que ela responde: o silêncio. A doutora
Stone não tinha ninguém para lhe esperar lá em baixo. Estava sozinha. Ela
perdeu seus objetivos, e passou a apenas existir. Toda essa subtrama dá uma
carga dramática e uma complexidade à personagem que vai muito além do que eu
esperava ver. Soma-se a isso o astronauta interpretado por George Clooney, um
cara carismático, que sabe viver, e que é totalmente desapegado das coisas, ou
seja, o extremo oposto da doutora. Tudo isso apenas destaca ainda mais a
fragilidade da personagem principal.
E se no começo do filme o astronauta Matt faz quase que um papel de pai da personagem de Sandra Bullock, a motivando, dando
forças e passando toda a sua experiência de astronauta veterano, é muito
marcante o momento em que os personagens se separam, já que essa partida tem
todo um sentido metafórico. É aquele momento de ruptura pelo qual todos um dia
passamos, quando perdemos a nossa zona de segurança, como, por exemplo, quando
saímos de casa, e vamos morar sozinhos pela primeira vez.
A partir desse momento ela está
sozinha e vai ter que ir reaprendendo a viver, a desejar estar viva, apesar de
uma circunstância pesadíssima. E ela faz isso por ela mesma, até porque não tem
ninguém esperando por ela na Terra. Mas é claro que não adianta só decidir
seguir em frente, ela tem que fazer por onde, e aí entra todo o clima de luta
pela sobrevivência no espaço.
Além disso, ao mesmo tempo que temos
um protagonista imerso em um problema praticamente impossível de resolver, nós
também vemos ali a fragilidade do ser humano de forma emocional. Como vivenciar
toda a situação de estar perdido no espaço e ao mesmo tempo estar perdido na
Terra? Sem ninguém para chorar sua perda? O que motiva o personagem a seguir em
frente? A querer ir além? Todos esses questionamentos enriquecem o filme, o
enchendo de figuras de linguagem.
Há uma séries de tomadas belíssimas
que visam justamente servir de metáfora, como quando a astronauta flutua em posição
fetal dentro de um dos módulos da estação espacial em gravidade zero, ou quando
depois de uma situação de extremo esforço, ela tem que reaprender a andar.
Todas essas cenas funcionam como metáforas que simbolizam o renascimento da
personagem.
Visualmente, o filme é impecável.
Realmente acreditamos que todas aquelas cenas foram filmadas no espaço. A câmera
nos dá a nítida sensação de estarmos ali,do lado dos protagonistas consertando
o Hubble,e sentindo a mesma vertigem que todos os astronautas um dia devem ter
sentido. A vista da Terra é linda, mas dá um baita friozinho na barriga.
Aliás, para mim, este é um dos
vários pontos fortes do filme: a câmera. O diretor Alfonso Cuarón teve a sensibilidade de contar
uma história no espaço de uma forma inédita. O filme nos brinda com vários
planos sequência, planos longos que nos colocam dentro do filme, como se
fôssemos mais um astronauta. Temos também essa proximidade com o personagem em
primeira pessoa. Vemos o que a Dra. Ryan vê, escutamos a respiração dela, e
temos ali uma conexão fortíssima com o personagem.
Além disso, Cuarón fez uma extensa pesquisa sobre o tema, de forma que no começo do filme
acompanhamos o que é realmente o cotidiano de um astronauta em missão no
espaço, e quase todas as situações ali são fatos fisicamente possíveis. No
entanto, para contar uma boa história de ficção cientifica, às vezes, é preciso
pender mais para a ficção do que para a ciência. Por isso, vale esclarecer
algumas liberdades poéticas que foram tomadas no intuito de fazer a trama fluir
melhor, mas coisas que vão passar despercebidas do grande público.
Algo que me chamou atenção foi o
fato do filme não fazer uso de flashbacks, tão comuns nesse tipo de narrativa,
pra contar a historia dos protagonistas. É um filme praticamente sem cortes e
passado inteiramente no espaço, sem nenhum anticlímax. Sensacional!
Pra
encerrar, outra mensagem lindíssima do filme: "se eu vou morrer aqui dentro dessa
cápsula ou se eu vou sobreviver, não importa, vai ser uma experiência incrível!" E essa é a vida da gente: a gente não sabe quando vai acabar, ou o que o futuro
nos reserva, mas temos que fazer da vida uma experiência incrível.
Enfim, estamos falando de uma obra-prima. Com certeza um dos melhores filmes dos últimos anos, com atuações impecáveis de Sandra Bullock e George Clooney. Vale acrescentar também a trilha sonora fantástica, que mescla com momentos magníficos de silêncio total, que nos remetem a falta total de som no espaço. Gravidade é mais do que recomendado. O ideal seria ver esse filme em 3D, um dos melhores já feitos até o momento, mas a metáfora do filme é tão boa que, seja nos cinemas ou em casa, é obrigatório.
Entrelinhas
Uma das questões levantas por
Gravidade é o medo da solidão. Vou aproveitar o tema pra falar de uma obra
sensacional que li recentemente e que tem tudo a ver com o filme Gravidade, com
o espaço e a solidão: Astronauta Magnetar.
Pra quem ainda não ouviu falar,
estou falando, sim, do Astronauta da Turma da Mônica. Se você andou fora de
órbita nos últimos meses e ainda não faz ideia do que estou falando, o Graphic
MSP é um projeto da Maurício de Sousa Produções que consiste em histórias dos
personagens do Maurício feitas por artistas brasileiros consagrados e com
estilos diferentes do que estamos acostumados. A proposta é amadurecer aqueles
personagens clássicos do Maurício de Sousa, com histórias voltadas para um
público mais adulto.
"(...)
descobrir a proximidade por meio da distância."
(Amyr
Klink)
Na primeira das novelas gráficas,
escrita e desenhada por Danilo Beyruth, o Astronauta, personagem que singra o
espaço sideral sozinho em sua nave há anos, visita uma galáxia distante para
estudar um magnetar, uma estrela de nêutrons que possui um campo magnético
estimado em 1 bilhão de teslas. Mas ele comete um erro que pode custar sua
vida. Com a nave danificada e sem comunicação, ele está “náufrago no espaço”, e
a partir daí, precisa aprender a conviver com a solidão, a espera, o
arrependimento e, sobretudo, consigo mesmo, seus pensamentos e seu passado.
Uma das sequências de imagens mais
bonitas da história é a passagem do tempo. O Astronauta começa a relatar como
será a rotina após a quebra da nave. Quando termina o dia, os quadros se
repetem. E se repetem. E se repetem. E vão diminuindo até preencher uma página
inteira de uma rotina repetitiva, vazia e exaustiva, que é mostrada por meio de
uma série de pequenos quadros iguais, distribuídos em diversos tamanhos, onde
todos os dias o astronauta faz a mesma coisa: trabalha, se exercita, se
alimenta, dorme, pensa em soluções, fracassa e espera que algo de bom aconteça.
É uma sacada artística genial, e Beyruth nos joga na cara como a rotina pode ir
te tornando uma pessoa cada vez menor, porque você vai fazendo sempre as mesmas
coisas. Você vai diminuindo na medida que não faz nada de novo, se tornando
apenas mais do mesmo.
A edição da Panini é de muito boa qualidade, valendo todo o "baixo" investimento: a edição de capa cartonada custa apenas R$19,90.
Fica a dica, então. Gravidade e Astronauta Magnetar,
salvo as devidas proporções, se complementam.
1 comentários:
É muito prazeroso ver a evolução de Padu Aragon, um promissor futuro escritor se assim o quiser. Suas críticas são estimulantes, positivas, explicativas e aguçam a nossa curiosidade no sentido de querer assistir ao filme ou ler o livro analisados.
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