O Primeiro Homem: Vale o Preço do Ingresso?

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Acho que se eu perguntar, todo mundo sabe quem foi o astronauta Neil Armstrong, ou ao menos reconhecem a frase proclamada por ele ao se tornar o primeiro homem a pisar na Lua, — “Um pequeno passo para o homem, um salto gigante para a humanidade”. O Primeiro Homem, mais novo filme do diretor de La La Land, acompanha justamento o astronauta norte-americano durante os 8 anos de preparação para a missão Apollo 11, que o levou até a Lua.

SOBRE O QUE É “O PRIMEIRO HOMEM”, O MAIS NOVO FILME DO DIRETOR DE LA LA LAND, DAMIEN CHAZELLE?


Muito se sabe sobre a corrida espacial do final do século XX, entre Estados Unidos e União Soviética, e dos desbrodamentos da missão Apollo 11. No entanto, pouco sabemos sobre o primeiro homem a pisar em solo lunar. O Primeiro Homem, baseado na biografia autorizada de Neil Armstrong, o livro O Primeiro Homem - A Vida de Neil Armstrong, de James R. Hansen (Intrínseca, 512 páginas, R$ 59,90), acompanha justamente o astronauta norte-americano durante os 8 anos de preparação para a missão Apollo 11, que o levou até a Lua.

Porém, apesar de toda essa introdução, este filme não é sobre a missão Apollo 11, nem sobre como o homem chegou a Lua. Chazelle opta por uma trama menos focada no contexto sociopolítico da corrida espacial, e foge da pegada tradicional de filmes de aventura espacial. Uma perda visceral está na origem da dedicação de Armstrong ao Projeto Apollo, e O Primeiro Homem é um filme focado justamente na na percepção de mundo do protagonista, oferecendo uma visão intimista do astronauta.            

Portanto, é importante que o espectador saiba que não irá encontrar um filme informativo sobre a corrida espacial  apesar do filme prestar várias referências ao momento socio-político da época , nem um filme de aventura espacial. O Primeiro Homem é um filme sobre o luto de um homem destinado a grandes realizações, e sobre como ele lida com o seu sofrimento e com a pressão que sofre da NASA e da sua família. O diretor Damien Chazeele nos conta a missão à Lua sob a perspectiva de seu protagonista.



Link do Vídeo no Youtube: O Primeiro Homem | Trailer Legendado

AFINAL, O PRIMEIRO HOMEM VALE O PREÇO DO INGRESSO?

Quanto a proposta: O ser humano tem a tendência de mistificar grandes homens e seus feitos, mas esquece que por trás de tudo isso, há uma pessoa comum. Cheeze acerta justamente em rejeitar a mitificação do primeiro homem a pisar na Lua e explorar a fragilidade de Neil Armstrong – pois não tenho dúvidas de que produzir um filme que enaltecesse a figura heróica de Armstrong como americano seria a escolha de 9 a cada 10 produtores americanos. O Primeiro Homem não se trata simplesmente de um filme sobre um herói destinado à história, mas da história de um homem comum, cheio de traumas, angústias e defeitos. Trata-se da história do homem por trás da figura história, e por isso é belíssimo. Para se conhecer a história por trás dessa lenda, O Primeiro Homem valeria o preço do ingresso.

Quanto a atuação: Neil era reservado, quieto, focado e introspectivo, e isso reflete diretamente na atuação de Ryan Gosling, que nos apresenta um Neil Armstrong de poucas expressões, muitas vezes de dificil leitura, e sem nenhuma pretensão heróica. Seu personagem fica no limiar do carisma, e por isso é até um pouco difícil do espectador se apegar a ele  – e se Gosling costuma ser criticado pela crítica especializada pelo constante olhar "blasé" de seus personagens, há de se admitir que em O Último Homem, a sua própria (suposta) inexpressividade encaixou perfeitamente no personagem que ele interpreta. 

Quanto a história: O Primeiro Homem é também muito fiel em mostrar o quão maluco foi o que aquelas pessoas fizeram, a fragilidade daquelas naves, a quantidade de elementos desconhecidos, a aceitação do risco, o sofrimento das famílias. Chazelle faz um excelente trabalho “desglamourizando” o trabalho dos astronautas, alternando entre a vida familiar de Neil e as tarefas domésticas cotidianas do engenheiro, e reproduzindo as naves como eram: elas trepidam tanto, e os pedaços caem no interior, que nos perguntamos como foi possível chegar à Lua com essas engenhocas. Mas o filme não busca responder a essas perguntas. Apesar de ser muito fiel nessa escala micro, a trama abre mão de analisar o contexto sociopolítico dos Estados Unidos nos anos 60, e admito que senti um pouco de falta disso durante o filme. Eu queria ver mais do que estava acontecendo nos EUA e no mundo e como os astronautas enxergavam essa movimentação. Mas a proposta do filme não é essa, e em dado momento do filme consegui aceitar isso. Agora, isso não quer dizer que o filme não esteja inserido no contexto da época. Admito que, dentro do que Chazeele se propôs, ele o faz magistralmente, inserindo pontualmente os questionamentos de grupos civis às razões para a ida à Lua (no contexto da Guerra Fria) e das dificuldades para convencer o Congresso a aprovar o orçamento da empreitada, igualmente estratosférico, em custos em vida e em verba do contribuinte. Em uma das mais belas cenas do filme, enquanto Neil está em Cabo Canaveral, realizando testes antes da missão a Lua, manifestantes protestam contra o desperdício de dinheiro – exigindo hospitais e universidades para negros, em vez de naves para competir com os soviéticos, enquanto toca a música “Whitey on the moon”, de Gil Scott-Heron. É o encaixe perfeito entre áudio e visual. 

VEREDICTO

É muito difícil contar uma história com tanto suspense sendo que o espectador já sabe que a missão foi bem-sucedida. Por isso, O Primeiro Homem opta em deixar a missão um pouco de lado, e nos conectar com as pessoas envolvidas, com os astronautas e com suas famílias, cujos familiares estão arriscando suas vidas. Mas por se manter fiel a personalidade de seu protagonista, a obra acaba pornos privar não só de momentos catárticos – eu, por exemplo, estou até agora com o choro engasgado por todas as perdas que acontecem ao longo da projeção –, e de algumas passagens importantes da corrida espacial. Mas, no fim, ao contar a história de um personagem histórico de forma tão intimista, O Primeiro Homem deixa de ser um filme sobre um astronauta que entrou para a história, mas sobre Neil, um indivíduo machucado, como eu e você. E por isso, vale o preço do ingresso.

Agora, cá entre nós, na minha opinião, o ingresso já valeria o preço apenas pela sensação visual de vivenciarmos junto de Armnstrong as experiências do Projeto Apollo, seja em uma das muitas simulações e dos treinamentos que o astronauta tinha que fazer em terra, ou no cubículo apertado que é o "cockpit" das naves, com construções visuais claustrofóbicas, nas quais o espectador sente-se sufocado junto do protagonista, ou então na chegada do homem a lua, em planos mais abertos, nos quais o espectador sente-se literalmente no astro, dando os primeiros passos em primeira pessoa junto do astronauta. 



APROFUNDANDO A DISCUSSÃO

Caso você já tenha assistido à O Primeiro Homem e queira se aprofundar na discussão comigo, deixa aí seu comentário. Aproveita, e diz também se gostou deste novo formato. Estou tentando escrever críticas e resenhas mais objetivas e didáticas, que te ajudem mesmo na hora escolher o que vale ou não a pena o seu tempo e dinheiro.

Fiz um “post” também discutindo um pouquinho sobre a fidelidade histórica do longa-metragem, então se você quer saber se aquela cena na qual Neil presta uma homenagem a sua filha na superfície lunar aconteceu de verdade mesmo, não deixa de dar uma conferida! 


"O que define um filme ser bom ou não? O que define você gostar ou não de alguma coisa? Seus gostos? Sua subjetividade cunhada pela sua vivência e experiências sociais desde a sua infância até o momento atual no sentido mais existencialista possível dessa lógica? Apenas você. E mais ninguém define o que é bom ou não. O que um crítico de cinema faz é discutir se regras usadas, pra facilitar uma mensagem passada de modo áudio visual, foram bem sucedidas. Analisa essas regrinhas que facilitam a captura da atenção do interlocutor. Analisa se além dessas regras o diretor se arriscou em botar ali, algo seu de um jeito especial. De um jeito até pra poucos. E essa é (às vezes) a graça de um filme blockbuster ou cult. E se mesmo sem usar essas regrinhas o diretor e sua equipe conseguiram passar a mensagem, conseguiram te atingir, conseguiram capturar a atenção de sua subjetividade cunhada pela sua vivência e experiências sociais desde a sua infância até o momento atual no sentido mais existencialista possível dessa lógica? E se mesmo assim eles conseguiram… O filme ainda é ruim? O filme não funciona? Bem, se sua resposta é sim, que não funciona, é uma pena você pensar tão pequeno sobre cinema ainda. Se sua resposta é não, ele funciona e que regras pra facilitar são apenas regras pra facilitar e que não, necessariamente, são uma obrigação. Afinal… Você considera cinema uma arte, não é? E existem regras pra arte?"
(Alcênio Borges, ZOOMNews)

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