Wild Wild Country: uma minissérie documental sobre Rajneeshpuram, o maior experimento da obra de Osho

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Quando alguém nos recomenda a assistir a recente minisérie documental do Netflix, Wild Wild Country, normalmente essa pessoa associa a série a vida de Osho, um dos líderes espirituais mais famosos do século XX. Porém, Wild Wild Country não é sobre Osho. Também não é sobre seus discípulos ou sobre a sua filosofia, por mais que estes sejam importantes atores desta história. Wild Wild Country é a história de Rajneeshpuram, o maior experimento da obra de Osho.

AFINAL, DO QUE SE TRATA A MINISSÉRIE WILD WILD COUNTRY E O QUE FOI RAJNEESHPURAM?

Nos anos 70, um guru indiano começava a chamar atenção em seu país, recebendo até 100.000 pessoas por ano em seu resort de meditação na cidade de Puna. Em Puna, Osho, na época chamado de Bhagwan Shree Rajneesh, aplicava métodos terapêuticos em workshops e dava palestras diariamente, pregando a busca da liberdade através da meditação e atacando as religiões tradicionais, atraindo cada vez mais ocidentais atraídos por suas ideias de renunciar às repressões impostas por religiões, educação, governos e outras tradições, sem ter de abrir mão do mundo material. Mas Wild Wild Country não vai contar essa história. Então vamos um pouco além.

No começo dos anos 1980, devido a internacionalização do grupo de seguidores e aos constantes conflitos com autoridades indianas, Bhagwan e seus seguidores passaram a procurar um retiro fora do país. O objetivo de Bhagwan era criar uma comunidade autossuficiente baseada em compaixão e troca, que pudesse ser usada como exemplo do que era possível no mundo, na qual seus discípulos pudessem viver em felicidade utópica, seguindo seus ensinamentos. Bem, os EUA dão o direito a todos de praticarem sua religião. Atraídos pelo “sonho americano”, e por um país que se auto proclama como líder do mundo “livre”, e detentor de flexíveis leis sobre a livre associação, que permitiriam a Osho e seus discípulos fundarem uma pequena comunidade autossuficiente, em 1981, guru e discípulos mudaram-se para um rancho limítrofe a pequena cidade de Antelope, no condado de Wasco, Oregon. Este rancho seria o berço da terra prometida, um “campo de Buda”, Rajneeshpuram. Wild Wild Country é a história da cidade de Rajneeshpuram, e de como Bhagwan e seguidores levantaram essa cidade do “nada”, praticamente da noite para o dia. Ao longo dos 6 episódios da série, veremos como esta experiência e as diferenças de valores entre os sannyasins – como eram chamados os seguidores de Rajneesh – e os fazendeiros locais de Antelope gerou um enorme descontentamento dessa pequeníssima população conservadora do interior dos EUA, o que acabou resultando em um caso extremamente controverso, que culminou num processo colossal que mobilizou várias instâncias do governo norte-americano, e acabou resultando em um dos maiores escândalos de fraude fiscal, evasão de impostos e envenenamento da história do país, indo além e chegando até a envolver tentativas de assassinato. O desenrolar desta história é surpreendente e vai te deixar boquiaberto. Parafraseando um policial do Oregon envolvido nas investigações do caso: “Alguém escreverá um livro sobre isso. E eu garanto a vocês: quando for lançado, as pessoas vão dizer que é ficção”.




PORQUE WILD WILD COUNTRY VALE O SEU TEMPO?

Wild Wild Country já valeria o seu tempo apenas por lhe contar essa bizarra e fascinante história que poucas pessoas conhecem. Mas o documentário vai muito além de meramente narrar os fatos. Os produtores foram muito hábeis em contar todos os lados da história, entrevistando diversas pessoas que estavam envolvidas na confusão, e auxiliados por uma excelente trilha sonora, tornam a experiência de maratonar esta série extremamente imersiva. Com isso, as vezes nos identificamos com os sannyasins, nos revoltando com o conservadorismo e xenofobia daqueles vizinhos americanos – eu até entenderia se o que os incomodasse fosse o fato de que, da noite pro dia, uma cidade de 50 habitantes fora tomada por uma horda de pessoas, alterando suas rotinas e seus costumes pacatos. Mas infelizmente, seus depoimentos nunca vão por este caminho. Ao invés disso, preferem sempre atacar os hábitos, as crenças e o comportamento “depravado” de seus novos vizinhos –, mas as vezes nos assustamos também com os rumos da comunidade Rajneesh, e com o fanatismo e a ganância de alguns dos envolvidos. Aos entrevistados é dada a oportunidade de se revelarem como são, com suas virtudes e defeitos, e no final, acabamos compreendendo e até mesmo concordando com seus pontos de vista. Até mesmo os de Sheela, secretária e porta-voz de Bhagwan, que foi capaz de tantas atrocidades supostamente em nome do guru. Sheela, acusada pelas autoridades americanas de ser uma pessoa desprovida de empatia, hoje trabalha cuidando de idosos com problemas de saúde, para que não terminem suas vidas sozinhos, tentando continuar praticando os ensinamentos de Osho. Ou seja, o documentário tenta fugir do maniqueísmo clássico, mostrando que há escuridão em todos nós.

Bom, particulamente o documentário me deixou mais indignado ainda com as instituições americanas, que pregam a liberdade de expressão mas que fazem de tudo, inclusive dobrar as suas próprias legislações, para “pegar” alguém que faça algo que eles não “gostem”. Por mais inescrupulosos que sejam os feitos de Sheela, ao estufarem o peito para julgar seus atos, feitos sob a justificativa de proteger uma comunidade ameaçada, os EUA escancaram a hipocrisia de suas próprias instituições, que a condenam pregando uma falsa moralidade, quando eles mesmos fazem as mesmas coisas em guerras mundo afora, quando sentem que a integridade e a segurança de seus país está ameaçada. E não foi isso que os sannyasins fizeram, vendendo a alma quando sentiram que sua comunidade estava sob ataque? Sheela e EUA são mais parecidos do que ambos gostariam de admitir.

MAS AFINAL, O QUE WILD WILD COUNTRY NOS DIZ A RESPEITO DE OSHO?

Dito tudo isso, é importante destacar outro ponto. Eu, particularmente, sempre gostei muito dos ensinamentos de Osho, e por isso, terminei o documentário dividido e cheio de perguntas. Afinal, então ele foi mesmo um charlatão, ou ele realmente não sabia dos crimes praticados por sua secretária? E até onde isso pode desvalorizar seus ensinamentos, os quais tanto me identifico? Mas não teremos respostas, ao menos não neste temporada. Como já frisei algumas vezes, o documentário é sobre a história da cidade e do conflito político e ideológico dos administradores de Rajneeshpuram com os moradores das cidades vizinhas no Oregon e, por isso, ele não se preocupa muito em destrinchar aspectos da vida de Osho, ir a fundo para entender até onde ele estava envolvido ou era alheio a tudo o que acontecia, e muito menos a verdadeira motivação por trás de cada um dos envolvidos. Além disso, apesar da enorme quantidade de registros e depoimentos, pouco é falado sobre a filosofia de Bhagwan: afinal, o que se praticava em seus centros de meditação? Quais eram seus ensinamentos e como ele conseguia atrair tantos seguidores devotos? Muitos dos comentários feitos durante a exibição falam dos frequentes sexos grupais e da completa falta de “pudor” dos sannyasins, mas segundo seus discípulos, o guru queria apenas que o sexo n ão fosse renegado, e que os boatos de orgias na comunidade vinham de quem queria se aproveitar da liberdade sexual para “aprontar”.

O VEREDICTO

Enfim, Wild Wild Country é uma série documental inteligente, informativa e  surpreendente, que se esforça para ser imparcial. Defitivamente, trata-se de uma história que a maior parte das pessoas não acreditaria ser real, caso alguém contasse. Impressiona também a riqueza da parte documental. São muitos registros da época, sendo algo impressionante de se assistir. Porém, mesmo contando de maneira maestral a trajetória de Rajneeshpuram, a série não explora a fundo alguns aspectos-chave da questão, deixando várias questões em aberto e muitas dúvidas na cabeça dos espectadores, soando em alguns momentos, sim, parcial, por ocultar informações importantes – faltou contextualizar algumas coisas exibidas na minisséria, como os trechos do filme “Ashram in Poona”, e até mesmo embasar algumas das acusações feitas. Portanto, apesar de um excelente relato da história da comunidade de Rajneeshpuram, o documentário não responde a muitas perguntas, e não desenvolve muitos dos fatos que apresenta aqui e ali ao longo dos 6 episódios.  Além disso, falta explicar um pouco da beleza e da profundidade dos ensinamentos de Osho, e do porquê das pessoas fazerem tanta questão de estarem perto do guru. Mas, vale muito a pena você dar uma conferida, pois é uma história surreal e ao mesmo tempo fascinamente, que explora não apenas o experimento de Osho, mas o aspecto humano das pessoas envolvidas. Eu, particularmente, terminei de assistir o último episódio muito emocionado, e emocionalmente conectado a Osho e todas aquelas pessoas que eu nunca vi na minha vida.
E até hoje me pergunto como a gente não sabia desse escândalo todo em Rajneeshpuram? Também não sei.


Terminei a maratona louco pra ler mais material sobre esses eventos, procurando por fontes de diferentes lados da história, e biografias de todos os envolvidos. Recomendo que façam o mesmo. Pra quem terminou a série com todas essas dúvidas também, vale ficar por dentro das novidades do novo livro de Philip Toelkes, advogado de Osho, que promete contar com mais detalhes todos os eventos narrados em Wild Wild Country. E recomendo um vídeo que ajuda a complementar um pouco da experiência da série:




APROFUNDANDO A DISCUSSÃO

Caso você já tenha assistido à Wild Wild Country e queira se aprofundar na discussão comigo, deixa aí seu comentário. Aproveita, e diz também se gostou deste novo formato. Estou tentando escrever críticas e resenhas mais objetivas e didáticas, que te ajudem mesmo na hora escolher o que vale ou não a pena o seu tempo e dinheiro.




"O que define um filme ser bom ou não? O que define você gostar ou não de alguma coisa? Seus gostos? Sua subjetividade cunhada pela sua vivência e experiências sociais desde a sua infância até o momento atual no sentido mais existencialista possível dessa lógica? Apenas você. E mais ninguém define o que é bom ou não. O que um crítico de cinema faz é discutir se regras usadas, pra facilitar uma mensagem passada de modo áudio visual, foram bem sucedidas. Analisa essas regrinhas que facilitam a captura da atenção do interlocutor. Analisa se além dessas regras o diretor se arriscou em botar ali, algo seu de um jeito especial. De um jeito até pra poucos. E essa é (às vezes) a graça de um filme blockbuster ou cult. E se mesmo sem usar essas regrinhas o diretor e sua equipe conseguiram passar a mensagem, conseguiram te atingir, conseguiram capturar a atenção de sua subjetividade cunhada pela sua vivência e experiências sociais desde a sua infância até o momento atual no sentido mais existencialista possível dessa lógica? E se mesmo assim eles conseguiram… O filme ainda é ruim? O filme não funciona? Bem, se sua resposta é sim, que não funciona, é uma pena você pensar tão pequeno sobre cinema ainda. Se sua resposta é não, ele funciona e que regras pra facilitar são apenas regras pra facilitar e que não, necessariamente, são uma obrigação. Afinal… Você considera cinema uma arte, não é? E existem regras pra arte?"
(Alcênio Borges, ZOOMNews)

1 comentários:

madhurjacober disse...

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